FORNECEDOR ÚNICO PODE SER UMA BOA IDEIA!

Riscos de falha no fornecimento são reais, mas adotar fornecedores únicos para algumas categorias de suprimentos pode ser fonte de vantagem competitiva. Veja o caso da Embraer!

José Carlos Martins F. de Mello 
 
Negociador da Valor Agregado Consultores

POR QUE MUITOS FORNECEDORES?

Empresas evitam riscos e, para isto, gostam de contar com muitos fornecedores: daí descartam, sem uma análise estratégica, a possibilidade de contar com fornecedores únicos e podem assim estar perdendo oportunidades. Apesar de serem reais os riscos de falha no fornecimento, adotar fornecedores únicos para algumas categorias de suprimentos pode ser fonte de vantagem competitiva. A Embraer sabe muito bem disso!

O CASO EMBRAER

A Embraer foi criada como empresa estatal em 1969 e privatizada em 1991. O desenvolvimento da aeronave ERJ-145 (conhecido no Brasil como Jet Class) foi iniciado em 1989 com a Embraer ainda estatal, mas foi logo paralisado por falta de recursos. Com a privatização (em 1991) o programa foi retomado em 1993, mas, nesta época, a Embraer estava enfrentando dificuldades financeiras.

A Embraer tinha a concepção técnica do avião e o domínio sobre o desenvolvimento do projeto, mas faltavam recursos financeiros para desenvolver todo o projeto. Ela possuia o domínio técnico, mas precisava de parceiros para financiar o desenvolvimento do avião. Reafirmando: precisava de parceiros dispostos a investir no desenvolvimento da nova aeronave.

A opção foi selecionar fornecedores tendo como norteador a minimização dos investimentos por parte da Embraer. O investimento no desenvolvimento e na fabricação dos subsistemas foi totalmente (e, parcialmente em alguns casos) bancados pelos fornecedores no que a Embraer chamou de parceiros de risco. Mas, para motivar o fornecedor, a Embraer garante a ele a exclusividade do fornecimento durante toda a vida útil da aeronave. Isto, na prática, é contar com um fornecedor único para toda a vida do avião.

Um exemplo foi o da empresa espanhola Gamesa, que fabrica o leme e a fuselagem traseira do ERJ-145: ela tinha dinheiro, queria investir, mas não dominava a tecnologia para fabricar. Desenvolveu a tecnologia e produziu o leme e a fuselagem dos mais de 1.000 ERJ-145 já fabricados. Mas a Gamesa não foi a única, veja a seguir os principais parceiros de risco do ERJ-145.

  • Latecoere (França): portas e outras partes da fuselagem
  • Kawasaki (Japão): asas (a parte do avião que exige maior tecnologia)
  • Alcoa (Brasil): peças de alumínio para estrutura e fuselagem
  • CD Aeroaspace (EUA): interior
  • General Electric - GE (EUA): motores
  • Liebherr (Alemanha): trem de pouso

Todos esses fornecedores únicos investiram e correram o risco junto com a Embraer. A verdade é que o projeto do ERJ-145 só se tornou viável porque a Embraer teve a ousadia de contar com fornecedores únicos!

REDUÇÃO DA BASE DE FORNECEDORES

Grande parte dos gerentes de compras considera que trabalhar com um grande número de fornecedores qualificados é uma forma eficiente de se ter garantia de fornecimento e baixos preços, mas essa forma de pensar nem sempre é verdadeira. A estratégia de se incentivar a concorrência entre muitos fornecedores e trabalhar com contratos de curto prazo pode não ser melhor e a mais econômica e existem 3 razões primárias para isto:

  • o custo para administrar uma base grande de fornecedores normalmente é maior do que os benefícios advindos da maior concorrência. Estudos mostraram que, em alguns casos, os custos administrativos e os relativos ao estoque são maiores que os benefícios de se trabalhar com uma base muito grande de fornecedores. Conclusão: empresas podem gastar mais dinheiro negociando e processando pedidos do que com o item propriamente dito.
  • dividir as compras entre muitos fornecedores reduz a capacidade de os fornecedores alcançarem economias significativas de escala. Além disto, não está claro que o comprador possua maior poder de barganha quando compra de muitos fornecedores. Pelo contrário, o poder de barganha do comprador pode até aumentar quando se trabalha com um número reduzido de fornecedores, pois eles ficam mais dependentes do comprador. Thomas Stallkamp, que foi chefe de compras da Chrysler, observa: descobrimos que quanto mais compramos de um fornecedor, mais ele se torna comprometido com as nossas necessidades.”
  • mesmo com a base reduzida de fornecedores, pode-se estimular concorrência vigorosa entre eles desde que sejam igualmente competentes e administrados de forma adequada. Exemplos não faltam: a competição no mercado de aeronaves de grande porte é acirrada, mesmo existindo somente 2 fabricantes no mundo que são a Boeing dos Estados Unidos e a Airbus da Europa.

Conclusão: administrar relacionamentos consome muito tempo e esforço. Conseqüentemente, um bom relacionamento com fornecedores não pode ser realizado com um grande número deles.

FLEET CORPORATION

A Fleet Corporation (nome fictício de uma empresa norte-americana que possui 30 mil caminhões) reduziu drasticamente o número de fornecedores. Esta prática melhorou significativamente a qualidade do trabalho e ainda proporcionou uma redução de 9% nos custos de aquisição das peças para chassi e cabine dos seus caminhões, mas outros ganhos também foram obtidos, como listados a seguir:

  • o nível tecnológico se elevou porque o contrato com maior volume e de mais longo prazo motiva o fornecedor a investir em pesquisas para melhoria de processo e de qualidade;
  • inicialmente o custo de administração dos fornecedores pode aumentar devido ao tempo despendido no esforço para reduzir a base de fornecedores e também porque a administração de parcerias consome mais tempo do que as tradicionais coletas de preços. Entretanto, à medida que as parcerias são estabelecidas e passam a funcionar bem, o custo da administração dos fornecedores cai o relacionamento mais estreito com os fornecedores permite um maior feed back sobre os problemas encontrados, o que eleva o nível de qualidade dos materiais fornecidos;
  • a Fleet também conseguiu reduzir os seus níveis de estoque fazendo acordos com alguns fornecedores que passaram a administrar os estoques em algumas localidades. Essa prática seria impossível com um grande número de fornecedores.

A redução na base de fornecedores é um problema para aqueles que são rejeitados no processo, mas representa um ganho expressivo para aqueles que permanecem. O primeiro e o mais óbvio é o ganho imediato causado pelo aumento no volume de negócios, mas existem outros ganhos. O maior volume permite ganhos de escala e motiva o fornecedor a investir em melhorias de qualidade e de produtividade. Esses ganhos podem ser repassados para os clientes sob a forma de redução de preços, o que leva a aumento no volume de vendas, ou pode usado para aumentar as margens de lucro do fornecedor. O fornecedor ainda é beneficiado pelo melhor nível de informação sobre o consumo do cliente, o que melhora a sua programação de produção e a redução do nível dos seus próprios estoques.

E O FORNECEDOR ÚNICO?

As vantagens da redução da base de fornecedores podem nos levar a uma conclusão antes impensável: trabalhar com somente um fornecedor, o que leva as vantagens da redução da base de fornecedores ao seu valor máximo. Reduzindo todos os fornecedores a somente 1 pode levar os benefícios já listados ao seu limite máximo. É uma questão de avaliar e administrar os riscos e ter coragem para usufruir dos benefícios. É o que a Embraer sabe fazer muito bem e que a Boeing copiou para desenvolver a maravilha tecnológica que é o Boeing 787, também conhecido como Dreamliner!

 

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Bibliografia: Ferreira, V.L., Salermo, M.S., Lourenção, P.T.M. As estratégias na relação com fornecedores: o caso Embraer. Gest. Prod., São Carlos, v. 18, n. 2, p. 221-236, 2011

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