Observe a charge abaixo. Exemplifica bem nossa conversa.
Na década de 1980 a China era muito mais pobre que o Brasil. Hoje é a segunda economia do mundo e nós continuamos marcando passo sem avançar. Por quê?
Estamos passando pela mais longa recessão econômica e temos poucos sinais de recuperação da economia. Muita expectativa foi criada com a posse do novo governo, mas nada está acontecendo. Continue comigo e vamos conversar sobre isso.
Uma pergunta que está na cabeça de todos os estudiosos de ciência econômica e política, que tem sido foco de muitas pesquisas, é porque algumas nações prosperam e outras ficam paradas ou crescendo num ritmo muito lento. É o caso do Brasil. Observe o gráfico abaixo que mostra as taxas anuais de crescimento de 1901até as projetadas para 2020. Ou seja, 120 anos de crescimento da economia.
Taxas medias de crescimento
Fonte: IBRE/FGV com dados do IPEA e Banco Central
Importante observar as médias sinalizadas. De 1901 a 1980 o Brasil cresceu a uma média de 5,7% ao ano, uma das maiores taxas do mundo superior até a média do Japão. A partir de 1980 a média caiu para 2,2%. Mesmo se excluirmos a famosa “década perdida” (1980-90) a nossa taxa média de crescimento tem sido de 2,4% ao ano. Por que caíram tanto?
As razões das diferenças entre as taxas de crescimento você pode encontrar em textos sobre a história econômica do Brasil. Não é esse o nosso foco. Vamos ver por qual razão não temos saído do lugar nos últimos anos. A desculpa de crise externa, muitas vezes aventada, não tem cabimento porque muitos países se desenvolveram muito nesse período, inclusive na América Latina. Chile, Peru e Colômbia cresceram mais que o Brasil.
Para compreendermos essas razões, vamos analisar os fundamentos que um país deve criar para produzir um processo de desenvolvimento econômico que seja sustentável, mesmo que sujeito a influências positivas e negativas.
A criação de riqueza numa sociedade depende de um conjunto de fatores que estimulam as pessoas a exercerem seu potencial de criatividade e trabalho, para novos produtos e negócios. Esse conjunto de forças é mostrado no modelo abaixo, já apresentado no artigo anterior.
Piramide nota dolar
Origem: “Lester C. Thurow, A Construção da Riqueza”
Observe que a base do modelo é a cultura da sociedade do país, que o autor chama de “Organização social inclusiva”. Essa base é forte no Brasil, ou seja, somos um país com organização social inclusiva?
Vamos conversar sobre os tipos de organização social que podem induzir a criação de riqueza pela população e entender o que é organização inclusiva.
Como sempre, vou me basear em estudos já publicados e reconhecidos, para não criar novamente a roda. O livro “Porque as nações fracassam - As origens do poder, da prosperidade e da riqueza” de Daron Acemoglu e James Robinson, foi publicado há uns 6 anos e se tornou um bestseller no assunto. Assim, vou me basear nos conceitos que ele apresenta.
Todas as instituições econômicas são criadas pela sociedade. Os países apresentam diferenças quanto ao êxito econômico em virtude das instituições existentes, das regras que regem o funcionamento da economia e dos incentivos que motivam a população.
Para entendermos bem isso, vamos comparar os modelos de instituições políticas e econômicas da Coreia do Norte com os modelos da Coreia do Sul. É uma comparação fácil porque todos conhecemos bem as diferenças entre os dois países. Os dois países repartem a Península Coreana e são povos iguais, com as mesmas origens. Os dois modelos diferem pelas regras criadas pelos sistemas políticos dominantes.
A Coreia do Sul é uma economia de mercado, erguida sobre o princípio da propriedade privada. Isso estimula o desenvolvimento de competências porque no caso de sucesso as pessoas poderão usufruir dos benefícios que obtiverem, para seu conforto e de sua família.
Na Coreia do Norte, as pessoas sabem que não terão direito à propriedade privada, não poderão abrir um negócio nem terão qualquer possibilidade de enriquecimento. Sabem que não terão acesso a mercados onde podem exercitar sua competência, por maior que seja, nem poderão usufruir do dinheiro que ganharem para terem uma vida confortável.
A Coreia do Sul é considerada uma sociedade inclusiva, porque criou instituições econômicas que possibilitam e estimulam a participação da grande massa da população em atividades econômicas. As pessoas podem fazer o melhor uso possível de seus talentos e habilidades e fazer escolhas que bem entenderem. Uma das características dessas sociedades é a existência de um sistema jurídico imparcial e acreditado por toda a população.
A Coreia do Norte é uma sociedade extrativista porque sua característica fundamental é a existência de regras com a finalidade de extração de renda e da riqueza de toda a sociedade para benefício de pequeno grupo. No caso, o governo central que controla todas as atividades das pessoas.
Nessas sociedades extrativistas as condições para desenvolvimento de competências individuais não são igualitárias nem o sistema jurídico é imparcial. O poder é concentrado nas mãos de uma pequena elite e existem poucas restrições ao exercício de seu poder.
Quanto ao Brasil, vou deixar por sua conta avaliar se estamos mais inclinados para uma sociedade extrativista do que para uma sociedade inclusiva. É claro que os brasileiros têm liberdade para desenvolver suas habilidades, trabalhar onde quiserem, abrir e fechar empresas, apesar das dificuldades e gozam de liberdade de imprensa. Nesse aspecto, somos uma sociedade inclusiva.
No entanto, a Constituição de 1988 garantiu uma série de benefícios a determinados grupos de cidadãos que os colocam razoavelmente protegidos das turbulências da economia que afetam a maioria da população, como desemprego, salários baixos, dificuldades de aposentadoria, e outros. Isso atende pelo nome de “direitos adquiridos”.
Com isso, uma parte muito significativa da renda que o governo retira da sociedade em impostos é transferida para esses grupos, sobrando pouco dinheiro para o investimento em bens públicos que podem beneficiar toda a população: educação, saúde, saneamento, infraestrutura e etc.
Para ajudar seu raciocínio, vamos ver outro exemplo bem próximo de nós, que mostra uma sociedade inclusiva e uma sociedade extrativista (não tanto quanto a Coreia do Norte).
A cidade de Nogales é cortada ao meio por um muro. Ao norte, encontramos Nogales, Arizona, USA e ao sul encontramos Nogales, Sonora, México. Apesar de serem “irmãs siamesas” com as mesmas condições físicas de terreno e clima, são completamente diferentes.
A Nogales americana tem renda familiar média de US$ 30 mil anuais. A maioria dos adolescentes estuda e a maioria dos adultos concluiu o ensino médio. Seus moradores podem se dedicar às suas atividades diárias sem temer pela vida ou segurança nem viver com medo de roubos, expropriações e outras possibilidades que ponham em risco seus investimentos. A população acima de 65 anos é grande e todos recebem os serviços básicos do governo (saúde, escolas, eletricidade, saneamento, rodovias), vistos como direitos naturais dos cidadãos.
A Nogales mexicana tem renda familiar média de aproximadamente US$ 10 mil anuais, apesar de ser considerada uma região próspera do México. A maioria da população não completou o ensino médio e muitos adolescentes não vão à escola. A vida média é menor que a vida do outro lado do muro e grande parte dos moradores não tem acesso aos serviços públicos de qualidade. A criminalidade é elevada e abrir um negócio é uma atividade arriscada, já que o dono pode ser roubado como é difícil obter todos os documentos legais além de caro – propinas têm que ser pagas. Os habitantes de Nogales, México, convivem diariamente com corrupção e a incompetência de seus políticos.
As duas cidades nasceram como uma só, até que em 1853 foi assinado um acordo entre os dois países fixando as atuais fronteiras. Os habitantes das duas Nogales têm ancestrais comuns, gostam do mesmo tipo de música e de comida e, de certa forma, possuem a mesma “cultura”. Como podem as duas metades do que é essencialmente a mesma cidade serem tão diferentes?
A resposta é simples. Os estímulos criados pelas instituições próprias das duas cidades e dos países a que pertencem são a principal causa das diferenças de nível de prosperidade econômica de um lado e de outro da fronteira.
O Brasil se parece mais com qual das Nogales?
O grande problema atual do Brasil, criado pela Constituição de 1988, está no modelo atual de alocação e distribuição dos recursos que o governo recolhe da sociedade.
O modelo atual direciona a maior parte dos impostos para gastos do próprio governo, a chamada manutenção da máquina pública incluindo salários e aposentadoria pública. Isso significa que sobra pouco dinheiro para devolver para a sociedade os serviços necessários para a vida e para investimentos que podem melhorar as condições futuras.
Ao contrário de outros países que se endividam para realizarem investimentos, que produzirão riquezas, o governo brasileiro se endivida para pagar gastos correntes.
Sugiro que você volte ao início e analise bem a charge mostrada.
Esse modelo até já ganhou um apelido: “modelo Jorginho Guinle”. Jorge Guinle, para quem nunca ouviu falar, foi um “playboy” do século passado que destruiu sua fortuna herdada para gastar com consumo e morreu pobre. É famosa uma frase sua reconhecendo que se soubesse que iria viver tantos anos, teria economizado dinheiro.
A grande discussão atual no Brasil é sobre a reforma da previdência. Ela é importante não só porque permitirá às gerações futuras (e a atual também) o planejamento da aposentadoria, mas principalmente porque promoverá uma reorientação nos gastos do governo. Enquanto o governo continuar sem capacidade de investir, não teremos desenvolvimento.
Para finalizar vou apresentar um gráfico muito interessante que encontrei no Google. Observe que as grandes crises políticas no Brasil ocorreram em anos com crise econômica. Se a análise do gráfico criar dúvidas em sua cabeça, deixo para você a busca das respostas.
Taxas crescimento 100 anos
Se quiser consultar o artigo todo, acesse o link:
https://www.infomoney.com.br/blogs/economia-e-politica/pedro-menezes/post/8077823/